Botões de rosa



— Explosão nuclear


— Cidade arrasada


— Criança desamparada

Publicado em https://chicoary.wordpress.com/2023/09/14/botoes-de-rosa.


Vinicius de Moraes

Pensem nas crianças
Mudas, telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas

Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas

Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida

A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada

Interpretação de Ney Matogrosso

O “poetinha” e o Ney Matogrosso colocam toda a sua verve na criação e na interpretação desse poema de uma beleza trágica. A beleza que emerge da arte consegue ser uma rosa nascendo do entulho com o risco de tornar o próprio lixo naquilo que não é.

Assim o é a bomba hedionda capaz de inspirar esse protesto pungente em forma de poema e música.

Protesto de um lirismo que pode ser percebido até pelos não lusófonos através do ritmo, da sua lírica e da sua melodia, a sua sintaxe. Mas só em português, e dificilmente nas traduções, a seta da afetividade é capaz de tocar os corações para “O horror! O horror!”. Mas eu quero a semântica. Essa semântica atroz. “Eu quero o terreno” como disse Clarice Lispector. “O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno”.

“A rosa com cirrose” que não têm mais coragem de sacar assim, como se espanta uma mosca, agora tem seu sucedâneo. Numa espécie de duelo de faroeste, onde as armas nunca são sacadas ou sacadas em câmera lenta num tempo quase infinito, as “rosas cálidas”, mas ferventes, são oferecidas ainda em botão.

“A anti-rosa atômica” agora tem seus botões. Os cientistas e a sua “ciência”, que não tem nada de “inconsciência”, descobriram “o mais perfurante”. Aquilo que mais penetra e se vaporiza. Não é que não deixe rastros. O urânio, o mesmo da “Da rosa da rosa”, agora é entregue em obuses, “botões” nada românticos, capazes de causar o mal em conta-gotas.

O ocidente coletivo, covardemente, não quer enfrentar as consequências. Sabe que se “entregar” a “rosa” “sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada” não poderia se vangloriar nos tempos atuais. Então entrega “botões”, num gesto de timidez hipócrita, por que sabe que obuses com ponta dura de urânio não são mísseis que poderiam, metaforicamente, transformar-se em bumerangues caindo também em seu território.


Veja mas também ouça o “tic tac” a cada explosão praticamente semanal desde 1945 das bombas lançadas e dos testes subsequentes no vídeo abaixo.

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